CRIATURAS DO ARMAGEDON
CRIATURAS DO ARMAGEDON
O Laboratório de Pesquisas Híbridas era um setor secreto do Departamento de Repressão ao Comunismo (DRC). Em seus porões, muitas pessoas tachadas de comunistas, eram torturadas. Em um pequeno recinto conhecido como "Sala dos Horrores", um rapaz passava por mais uma sessão de tortura. Uma chuva de socos e pontapés cobriram-lhe o corpo. A esperança de sair dali com vida começava a se esgotar.
- Como é, vai falar ou não? - Indagou o Tempestuoso.
- Ele é durão, mas sabemos lidar com pessoas assim - disse o Sórdido.
O rapaz murmurou alguma coisa; seu rosto estava banhado em sangue.
- Vamos deixá-lo a sós por alguns minutos, depois voltaremos - disse aquele conhecido como "Lobo". Recebera esse codinome devido aos métodos terríveis, com os quais arrancava os segredos mais inconfessáveis dos seus prisioneiros.
- E para o bem dele, é melhor que desembuche! Completou.
- O pobre rapaz, João Pedro, era filho de humildes lavradores. Eles sempre estiveram presentes em todos os momentos de sua vida. Mas agora, não mais sentia o forte abraço do pai e tampouco o afável carinho de sua mãe, somente os punhos dos seus algozes.
Naquele momento, João começou a regredir... A dor cedia lugar às boas lembranças.
**
Era uma fazenda onde todos os colonos se conheciam. Durante a noite costumavam se reunir em volta das fogueiras para contar "causos", especialmente sobre almas penadas e lobisomens. As crianças se agarravam às saias de suas mães com medo do que poderia surgir. Foi durante essas noitadas que João conheceu o amor de sua vida, a pequena Monique. Simpática e acolhedora, ela, ao lado da mãe - a única professora da colônia -, estava sempre disposta a ajudar os mais necessitados.
João nunca pode revelar-lhe o que sentia; sua timidez era um obstáculo que não conseguia sobrepujar. Entre os garotos de temperamento agressivo, estava Isaac, o filho de um dos capatazes. "Tal pai, tal filho" - diziam os colonos...
**
Seu rosto tinha parado de sangrar. Não se ergueu porque temia estar sendo observado. Fechou os olhos novamente para mergulhar em seu passado. Precisava juntar as peças para "desmontar" aquele pesadelo.
**
"Os anos passaram tão rápido!" - pensou João -, agora um rapaz que substituíra o pai nos trabalhos árduos da fazenda. Ao longe, surgiu a silhueta de uma linda mulher, a sua doce Monique...
- Eis que surge Isaac, o novo capataz:
- O que está olhando? A doce Monique?! - motejou. - Acha mesmo que aquela mulher vai se interessar por um sonso como você? Volte ao trabalho! - ordenou. -Você não é pago para bisbilhotar ninguém. - Escarneceu ele se afastando.
**
A noite chegou... No estábulo os cavalos estavam inquietos. João saiu para averiguar se alguma coisa estava assustando-os. Soube que uma onça andou invadindo algumas fazendas próximas. Como nada constatou, aproveitou para alimentar os cavalos. Inesperadamente teve a maior surpresa da sua vida: a doce Monique lá estava, esboçando um sorriso. João ia perguntar-lhe o que estava fazendo ali, mas ela o interrompeu com um gesto. Ele largou o forcado e se aproximou. Monique não se afastou, desejava ardentemente que João vencesse sua timidez. Em silêncio seus corações se confessavam... Os sentimentos há anos contidos foram libertados... Seus lábios se tocaram...
Abraçados adormeciam, enquanto a noite morria-se lentamente, como se ela própria assim o desejasse...
Do lado de fora os passos se interromperam... Alguém parou defronte ao estábulo. Entrou calmamente... deu mais alguns passos até presenciar uma cena que o deixou fora de si: a mulher que tanto desejou estava nua ao lado de um parvo. "Mate-os, agora!" - uma voz dizia. Ele pegou o forcado e se aproximou... Pisou em um graveto, despertando Monique. Um grito foi arrancado das entranhas quando o forcado atravessava-lhe o coração. João sobressaltou-se ainda sonolento, mas desfaleceu com um golpe na cabeça. Com ar de satisfação o agressor colocara em prática o seu plano. Certificou-se se não havia nenhuma testemunha por ali. Saiu de cena sem o menor arrependimento.
**
João levantou-se, sentindo ainda os golpes que levara. Sobre uma das cadeiras pousava o cacetete usado durante a tortura. Ao redor não havia ninguém. Mas algo lhe deixou intrigado: a porta da sala estava aberta. Ela dava acesso a um corredor iluminado por pequenas lâmpadas. João estava apreensivo, precisava tomar todo o cuidado; todavia, preferiu fugir a morrer barbaramente. Após evadir-se da sala, percorreu todo o corredor até chegar a uma porta de ferro, que para sua surpresa, não estava trancada.
Ao abri-la viu-se tragado por uma densa floresta. "Este local é uma espécie de laboratório; por que me trouxeram até aqui?" - perguntou a si mesmo. Sem hesitar, penetrou naquela floresta escura, correndo o quanto pode. Pensou ter finalmente escapado dos seus torturadores, mas estava enganado...
**
- Assassino, vamos linchá-lo! - gritou um rapaz.
- Tem razão, o que ele fez não merece a justiça divina. Acabemos logo com esse traste, depois o daremos aos porcos! - gritou o mais idoso. João jamais esperou ouvir tais palavras.
- Não! - respondeu o Sensato -, deixem que as autoridades cuidem dele. Já temos sangue demais por aqui. Ele pagará pela a morte de Monique, não tenham dúvidas.
Mas alguém que observava de longe não gostou nada dessa decisão. Começou a se questionar se havia deixado algo escapar...
Com grande aparato a Polícia chegou. Em um dos carros desceu o Dr. Conrado, um delegado frio cujo prazer maior era o de pré-torturar seus detentos, antes de enviá-los para o DRC.
- Onde está o rapaz? - perguntou.
- Está ali, Doutor. Nós o prendemos por via de segurança. - respondeu o Sensato.
- Muito bem, ponham-no na "Maria Negra", na Delegacia ele nos dará explicações.
A "Maria Negra" era um jargão usado pela Polícia para designar um camburão. Na Delegacia o delegado já estava perdendo a paciência. João nada revelara, dizia-se inocente; lembrava-se apenas de ter sido golpeado, mas não sabia por quem.
- Pois que o leve o Diabo! - gritou Conrado, cansado de evasivas. - Levem-no para o "Lobo", ele saberá o que fazer com ele.
- Ele não vai escapar - disse o "Lobo". - Soltem os híbridos, agora! - ordenou.
Os Híbridos eram dois cães geneticamente mudados. Tinham o dorso de hiena e cabeça de lobo, além de um super olfato. Uma vez sentido o cheiro da vítima, nada poderia detê-los. Entretanto, os cientistas já tinham desenvolvido um neutralizador para inibir sua sensibilidade olfativa. Saíram em disparada para o matagal. O som que emitiam era semelhante a um rosnar seguido de um riso. A vida de João Pedro estava por um fio.
**
Os híbridos se aproximavam... do alto da colina, João Pedro observava perplexo aquelas aberrações vindo em sua direção. Correu desesperadamente; nada mais lhe importava, a não ser despertar daquele horrível pesadelo. Sua vida já não valia mais nada... Sucumbiria sem descobrir o verdadeiro assassino de sua doce Monique ? Pensou em todas as pessoas que conhecera durante sua vida, mas nenhuma delas teria motivos para matá-la. A não ser...
- Isaac! Sim, ele nunca escondeu o seu ódio por mim; não me admira que não estivesse presente quando me prenderam. Aquele pusilânime poupou a minha vida apenas para ver - me humilhado! - desabafou, enquanto atravessava a mata sentido os galhos e espinhos perfurarem-lhe o corpo.
- Parou subitamente... o caminho levava a um penhasco. Próximo à sua base corria um rio. Ele saltou... venceu a correnteza até atingir o outro lado. Junto à margem tentava desesperadamente recuperar o fôlego perdido quando um arrepio correu-lhe a espinha: no topo do penhasco duas feras observavam-no. João correu desenfreadamente como se o próprio Diabo estivesse perseguindo-o. Os híbridos saltaram... sua extraordinária agilidade permitiu-lhes atravessar a correnteza em segundos...
João não estava mais agüentando... suas pernas já não o obedeciam... ao longe podia-se ouvir o estranho som que aquelas feras emitiam. Ele correu, tropeçou; rolou um barranco indo de encontro à uma árvore. Já não conseguia se recompor...arrastou-se; ergue-se com dificuldade. Ouviu um barulho... seu coração silenciou... os cães do inferno lá estavam. João tentou subir... atingir o topo da árvore, quando os caninos das feras arrancaram-lhe os pés. Seu grito atravessou o silêncio... João não conseguiu mais se segurar... seu corpo chocou-se violentamente ao solo... sendo devorado por aquelas aberrações que disputavam entre um pedaço de sua carne.
O macabro banquete foi interrompido por um som emitido de suas coleiras. Minutos depois, dois torturadores apareceram; admiraram-se com o tal poder de destruição. O Lobo foi contactado:
- Lobo, a experiência foi um sucesso, o que faremos com os híbridos? - perguntou o tempestuoso.
- -Levem-nos para as suas jaulas, depois venham para cá, temos muito que comemorarmos - Disse eufórico. - Vou ligar imediatamente para Brasília, o General ficará satisfeito. Finalmente daremos a esses comunistas o gosto do Armagedom.
* Agamenon Troyan
Ainda não existem comentários neste texto. Seja o(a) primeiro(a) a fazer um!
A processar...